O Professor Dr. Daibis Rachid, titular do curso de Urologia do IPGMCC, concedeu entrevista para o jornalista Felipe Lucena e falou um pouco sobre suas opiniões sobre o atual cenário da medicina.
Confira abaixo, na integra, a entrevista.
Médico responsável por um dos primeiros transplantes de rins do Brasil revela suas opiniões sobre o atual cenário da medicina
A história de Daibis Rachid pode ser um enredo de amor. Amor à medicina, amor à vida, amor à família e à esposa Julieta, com quem ele é casado há 52 anos e a quem o “Romeu” se refere como “alicerce”. É também de amor ao próximo. Em uma das paredes da sala do apartamento, onde vive com a inseparável companheira, tem uma placa que diz (em libanês): “Meu Deus, abençoe essa casa e a todos que nela entrarem”.
O médico urologista que dedicou boa parte do tempo à profissão, foi, entre muitas outras coisas, Coronel Médico da PM do Rio de Janeiro, chefe de urologia do Hospital da Beneficência Portuguesa e médico do Souza Aguiar. Além de ter sido professor da Faculdade de Medicina de Teresópolis – da qual também é fundador -, na Souza Marques e na pós-graduação da Carlos Chagas. Aposentou-se com mais de 80 anos, tendo feito cerca de 40 mil cirurgias.
Pai de Laila, Daibes Filho, Mariam e Isabele (todos trabalham com medicina) e avô de oito netos, ele nasceu em Cajuri, Viçosa, Minas Gerais. Por lá, quando garoto, ajudava o pai libanês a costurar fardo de tecido para a confecção de roupas. Na família, entre os de sangue e os agregados, são 38 médicos – oito urologistas -, até netos já estão se encaminhando para a área médica, uma delas está no segundo ano do curso.
Muito emocionado ao lembrar a história de vida, principalmente quando falou do irmão Michel Abraão Daibes – que faleceu há mais ou menos um ano e meio -, Rachid concedeu uma interessante entrevista, na qual temas atuais da medicina (além de memórias pessoais) foram destaques.
OCulto: Como o senhor começou sua carreira profissional?
Daibes Rachid: Eu vim de Minas Gerais para o Rio de Janeiro com mais ou menos 20 anos para fazer o antigo cientifico e posteriormente iniciar os estudos de medicina. Fui orientado pelo meu irmão, que já era estudante de medicina. Meu irmão Michel (fica emocionado ao lembrar) ajudou a descobrir em mim a vocação para a medicina. Em 1952, me formei médico na Faculdade de Ciências Médicas, que hoje é da UERJ. Ainda durante a faculdade, eu já trabalhava. Depois de formado, montei meu pequeno consultório no centro da cidade. Meu pai Abrão Daibes e minha mãe, Amélia Cury, me pediram para que meus primeiros pacientes fossem atendidos de graça. Assim eu fiz com muito prazer. Esses pacientes chamaram outros pacientes para meu consultório.
OCulto: Lembra-se de alguma história primordial que fez o senhor escolher o curso de medicina?
Daibes Rachid: Quando eu tinha uns 10 anos de idade, eu e meu irmão ficávamos até tarde da noite ajudando nosso pai a costurar os tecidos que ele vendia. Uma vez, um cliente chamado Corino Araújo (não esqueço o nome dele) chamou a atenção do meu pai: “O senhor fica colocando seus filhos para trabalhar até a essa hora?”. Meu pai, muito inteligente que era, disse: “Senhor Corino, hoje eles costuram fardos de tecido, amanhã vão costurar barrigas”. Por isso guardo até hoje as agulhas que usava para costurar quando menino. Com essas memórias e outras situações da vida, eu não poderia ser outra coisa. Tinha que ser médico.
OCulto: Quais foram as dificuldades iniciais de sua vida como médico?
Daibes Rachid: Eu não encontrei grandes problemas, pois tive bastante apoio, do meu irmão, que se formou três anos antes de mim. Além dele, trabalhei com o urologista Rui Guiana, grande médico que muito me ensinou. Antes de começar a especialidade com Rui Guiana, eu aprendi a parte de cirurgia geral com Humberto Barreto. Com o Humberto, eu estava no segundo ano de medicina. Ele me disse que lá para o sexto ano, eu entraria na sala de operações. Menos de três semanas depois, eu já estava o ajudando a operar pacientes. Fiquei com o professor Barreto dois anos e fui trabalhar com o Guiana, que havia acabado de chegar dos Estados Unidos, onde ficou 10 anos na chefia da melhor escola de medicina de lá. Eu também queria estudar fora, mas ele me pediu para que ficasse trabalhando com ele. Fiquei por muitos anos. Até depois de formado. Aí, como já tinha alguns clientes, resolvi seguir meu caminho só, montar meu consultório.
OCulto: Se for possível, poderia detalhar o que o senhor julga ser o maior feito profissional de sua vida?
Daibes Rachid: Fui um dos primeiros a fazer um transplante renal no Rio de Janeiro e no Brasil. Isso me orgulha muito. Fui com uma equipe para São Paulo, que tinha a estrutura necessária para realizar esses transplantes na época, e trouxemos de lá o que precisávamos, montamos no Hospital da Beneficência Portuguesa o aparato para realizarmos alguns dos primeiros transplantes de rins do Rio.
OCulto: Ser médico ainda é um sonho difícil de alcançar para pessoas de origens menos abastardas financeiramente. O que o senhor acha que deve ser feito para mudar essa realidade?
Daibes Rachid: Algo que pode ser feito é começar como enfermeiro, instrumentador. Vi muita gente iniciar assim: começaram no apoio e galgaram passos maiores, chegando à condição de médicos.
OCulto: Em sua opinião, o que deve acontecer para que a saúde pública do Brasil melhore?
Daibes Rachid: É preciso respeitar a ética médica. É preciso respeitar e seguir a ética médica. Colocar os estudantes de medicina para trabalhar durante o curso, pagamentos mais dignos, hoje em dia um médico não pode comprar um apartamento, e dar qualidade, estrutura para os profissionais. Além de bons auxiliares. Sem esses pontos não dá para melhorar. Seja na saúde pública ou privada. Trabalhei no Souza Aguiar por dois anos, passei em primeiro em um concurso de títulos apresentados. Nessa época, a saúde pública era melhor, porém, a cidade tinha menos pessoas. Por conta de alguns problemas, eu pedi para sair do Souza Aguiar. Dias depois, fui nomeado para o Hospital da Beneficência Portuguesa. Sei como as coisas são e se não forem tomadas as medidas que citei, ficará difícil melhorar a saúde do nosso país.
OCulto: Qual a opinião do senhor sobre o Programa Mais Médicos?
Daibes Rachid: Não digo que sou contra, mas acho que temos que utilizar os médicos brasileiros antes de tudo. Os que vierem de fora, deveriam antes passar por estudos aqui para se adaptarem às realidades de um novo país, diferente do de onde eles vieram. Acho que pode vir profissionais de fora do país, mas seria bom passar por uma espécie de residência aqui, para entenderem melhor a questão cultural do Brasil.
OCulto: O que o senhor acha dos médicos brasileiros?
Daibes Rachid: O profissional de medicina do Brasil é muito capaz. Muito inteligente. O que falta aqui é estrutura de trabalho, salários mais dignos. Os médicos hoje em dia recebem um valor irrisório para trabalhar.
OCulto: Quais as lembranças que o senhor leva da medicina?
Daibes Rachid: Quando eu encosto a cabeça no meu travesseiro, peço para Deus para que eu sonhe com os atos cirúrgicos mais difíceis que executei ao longo da minha carreira. Peço até hoje, pois muito me orgulho deles. Sensação de dever cumprido.
OCulto: O senhor fala com muito carinho de Julieta, sua esposa. Como vocês se conheceram?
Daibes Rachid: Eu operei um parente dela. Com isso, me aproximei da família dela. Quando a conheci, me encantei. Foi o maior presente que a medicina me deu.
OCulto: E na vida pessoal, quais são seus sonhos?
Daibes Rachid: Sempre sonho com minha família feliz. Isso que desejo.
Fonte: https://felipelucena.wordpress.com/2015/09/09/e-preciso-respeitar-e-seguir-a-etica-medica/
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